Comunicar o Agronegócio

Por Tatiana Martins - Relações Públicas, Analista da Embrapa e neta de Estanislau Alves Martins

Quando eu era menina, com uns 6 ou 7 anos de idade, o programa preferido nas manhãs frias de domingo, em Caxias do Sul (RS), era pular na cama do meu avô e, enrolada nas cobertas, assistir Globo Rural juntinho dele. Enfermeiro de profissão e pequeno agricultor nas horas vagas, ele dizia, há cerca de 40 anos, que a Embrapa era a empresa mais importante do Brasil (pena que ele não estava mais vivo quando comecei a trabalhar nela) e que a solução para o nosso País estava na agricultura.

Meu avô estava certo. Hoje, graças à tecnologia desenvolvida pelas instituições de pesquisa brasileiras e ao espírito empreendedor dos produtores rurais, o agronegócio brasileiro já é reconhecido como um dos maiores do mundo, capaz de abastecer o mercado interno e exportar matérias-primas e alimentos que alavancam o PIB nacional. Num planeta no qual a população cresce significativamente a cada ano, o Brasil mais do que nunca faz jus à máxima de “celeiro do mundo” e, ainda que tenha muitos passos a percorrer, tem tudo para se consolidar como o grande player desse setor.

Então, se  temos “a faca e o queijo na mão” o que está faltando para chegarmos ao lugar mais alto do pódio? Algumas lideranças do agronegócio têm feito reflexões bastante construtivas nesse sentido e um fator que parece ser consenso, seja nos discursos dos atores públicos ou privados pode ser resumido nas palavras do Presidente da Abag, Marcello Brito: “Apesar dessa inegável evolução, o agro brasileiro vem sendo afetado por algumas questões, como, por exemplo, a falta de uma comunicação eficiente sobre o que tem feito corretamente, tanto na questão ambiental quanto no aspecto de segurança alimentar. Nessa fase de transição pela qual passamos, precisamos estar integrados, com ações unificadas a favor do agronegócio e do Brasil. E tudo isso passa por uma boa comunicação, com todos os elos da cadeia produtiva falando a mesma língua. É inadmissível que o agronegócio brasileiro seja bombardeado, em decorrência da desinformação.[1]

Sim, a comunicação! A culpa é “sempre” dela (tal e qual o mordomo nos filmes clássicos de suspense)? Brincadeiras à parte, ela pode – e deve – melhorar! Porém precisamos deixar claro que ela não irá resolver tudo, pois o contexto do agronegócio tem suas complexidades, gargalos e peculiaridades que envolvem premissas estruturantes, assim como a compreensão desta realidade pelos seus próprios atores e, consequentemente, pelos demais envolvidos. Mas, paralelo a isso, podemos otimizar muita coisa na área da comunicação sim, em busca de um melhor posicionamento do agro nacional. Com um dose de humildade (mas também de ousadia), vamos levantar a seguir algumas questões e tentar apontar uma direção que entendemos ser factível nesta bússola cheia de possibilidades.

O agronegócio faz parte da vida de todos os brasileiros?

As pessoas não têm ideia do quanto, independente de ondem morem, estudem ou trabalhem. A campanha “Agro é pop, Agro é tech, Agro é tudo” consegue mostrar bem isso. Além de destacar as características dos principais alimentos que vão à mesa dos brasileiros, a iniciativa da Rede Globo também mostra que a agricultura está presente em setores como saúde, moda, cosmética, arquitetura, energia, recuperação ambiental, etc. Ou seja, o agro é essencial na vida de todos os brasileiros, na verdade de todos os seres humanos.

Moral da história: Devemos comunicar sobre a importância do agronegócio na vida das pessoas.

O agronegócio brasileiro realmente é sustentável?

Na publicação “saindo do forno” do Ipea, intitulada “Diagnóstico e desafios da agricultura brasileira”, o organizador e autor de alguns capítulos do estudo, José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho afirma: “Junto ao sucesso do agronegócio, houve a preservação ambiental. Até 1988, as unidades de conservação e terras indígenas cobriam 2,3% e 1,9% das terras, respectivamente. Em 2018, a área de vegetação protegida e preservada correspondeu a 66,5% do território, dos quais 10,4% foram de unidades de conservação e 13,8% de terras indígenas. O Código Florestal de 2012 foi um marco na lei ambiental. A exploração agrícola preservou mais que o exigido – 26% no Sul, 29% no Sudeste e 49% no Centro-Oeste. Em média, somente o setor agropecuário preservou um quarto do país (25,6%). De 1970 até 2018, o efeito poupa-terra, economia do fator escasso (terra) em razão dos ganhos de produtividade, ficou em torno de 775 milhões de hectares, uma área praticamente do tamanho do Brasil, ou doze vezes maior que a França[2]”. Então, em linhas gerais, sim. Por que em linhas gerais? Porque sabemos que ainda temos muito a fazer, como diminuir o uso de produtos químicos, combater o desmatamento criminoso (vide caso recente da Amazônia), diminuir a emissão de gases de efeito estufa (especialmente na pecuária), entre outros.

Moral da história: Devemos comunicar, com honestidade, o que já fazemos e o que precisamos fazer pela sustentabilidade do agro, promovendo o engajamento do rural e do urbano na busca de soluções.

O agronegócio brasileiro é democrático?

Ainda que o Brasil seja um dos maiores produtores e exportadores do mundo, a desigualdade do contexto agrícola é muito grande. Os especialistas Daniela Oliveira (Ipea) e José Gasques (Mapa) afirmam, no capítulo “Produção e Economia Regional” do estudo “Diagnóstico e desafios da agricultura brasileira”: “(…) observou-se que a demanda por tecnologia e novos conhecimentos vem se tornando cada vez mais presente na produção agropecuária. Entretanto, o acesso a mecanismos que possam estimular o crescimento produtivo ainda não é realizado de forma unificada para todos os produtores. Dessa forma, há quantitativos de produtores que acabam não absorvendo os instrumentos necessários para o crescimento de sua atividade. Faz-se premente, assim, uma readequação das políticas agropecuárias a fim de atender os produtores que acabam a margem da produção[3]”. Portanto, iniciativas que envolvam maior acesso à tecnologia e ao mercado, incremento da extensão rural e cooperativismo são essenciais para permitir que os agricultores familiares sejam incluídos no contexto produtivo, democratizando efetivamente a agricultura brasileira.

Moral da história: Devemos comunicar pesquisa e extensão como direitos dos agricultores familiares e solução para melhorar a produção. Os agricultores familiares precisam se enxergar como empreendedores rurais e não como pessoas que sobrevivem a duras penas da agricultura.

O agronegócio brasileiro tem uma identidade?

Ainda no “Diagnóstico e desafios da agricultura brasileira” encontramos uma boa colocação sobre isso. No capítulo sobre “Desafios da inserção competitiva internacional”, Janaína Brandão (UFSM) e Júlia da Conceição (Ipea) destacam que “(…) os produtos do agro são os legítimos representantes do Brasil no mercado globalizado. Segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Brasil obteve o sexto maior crescimento das vendas externas entre os trinta principais exportadores mundiais[4]”. Então temos reconhecimento, que ótimo! Porém, o agronegócio brasileiro é muito diverso. E nele ainda convivem a agricultura de boas práticas e a agricultura de práticas ruins. As pessoas, especialmente os consumidores, têm resistências com questões como agrotóxicos, transgênicos e processos que maltratem animais, por exemplo. E algumas lideranças do setor afirmam que as instituições públicas não estão sendo eficazes em esclarecer essas questões e que, por exemplo, celebridades (que geralmente fazem críticas ferrenhas por também não terem base informativa sólida) são mais ouvidas que as fontes governamentais ou científicas, em tempos em que a estética fala mais do que o conteúdo. Então, qual é a cara do nosso agro?

Moral da história: Precisamos criar uma marca para o agronegócio brasileiro, que traduza o conceito de que seus produtos são seguros, rastreáveis, nutritivos e sustentáveis. Devemos também identificar pessoas de diferentes setores para serem “embaixadores” do agro brasileiro, incluindo lideranças do setor e governo, mas também cidadãos e celebridades. Precisamos ter em mente que o consumidor tem papel fundamental nessa comunicação.

O agronegócio brasileiro é confiável?

Se o Brasil quer se transformar no maior provedor agrícola para o mundo, devemos investir na excelência como principal motor do desenvolvimento do País.  Excelência envolve qualidade e comprometimento, gerando confiança. Se almejamos chegar ao número um no pódio, temos que perseguir a qualidade, a seriedade e a transparência em todo o processo, do insumo ao produto final. E, acima de tudo, temos que perseguir esses mesmos parâmetros nos relacionamentos. Precisamos abrir a “caixa de Pandora”. Desmistificar conceitos e alinhar conhecimentos. Fazer com que a economia, a ecologia, a saúde pública, entre outros, trabalhem de forma colaborativa com o agronegócio, em relações de “ganha-ganha”.

Moral da história: Devemos comunicar qualidade e credibilidade com total transparência e de forma colaborativa.

Posto tudo isso, surge a pergunta: como fazer essa comunicação acontecer? Com muita criatividade e parceria. O norte da bússola poderá ser a criação do fórum de comunicação do agronegócio, com representação de toda a diversidade do setor. Essa representação precisa se dar por meio de profissionais extremamente preparados e flexíveis para pensar e executar estratégias que atendam demandas muito diversas, com foco em relacionamento (diálogo e não só informação) com os diferentes públicos envolvidos, desde o produtor até o consumidor final. Quem sabe este texto acaba de lançar a semente do desafio?

Publicado originalmente em: https://eeternaaprendizz.blogspot.com/2019/11/comunicar-o-agronegocio.html

[1] BRITO, Marcello. Como matar a fome de um mundo que não para de crescer? Revista ESPM: São Paulo/SP, edição julho/agosto/setembro 2019 (p. 75).

[2] FILHO, José Eustáquio Ribeiro Vieira (Organizador); Adriana Carvalho Pinto Vieira [et al.]. Diagnóstico e desafios da agricultura brasileira. Ipea: Rio de Janeiro, 2019 (prefácio).

[3] Ibid (p. 54)

[4] Id ibidem (p. 115).